Tamanho foi o meu espanto ao pesquisar na literatura psicológica sobre o conceito de Inconsciente. Já considerava ferida narcísica enorme aquela proposta feita por Freud, mas descobri que outros teóricos perceberam nuances diferentes e além desse campo pessoal subjetivo, haveria de confrontar humanamente com as dimensões coletiva, familiar,social, religiosa e superior. Alguns alegariam que são sistemas diferentes, outros que são descrições derivadas de um mesmo sistema, a saber, o inconsciente freudiano e os seus destinos. A título de curiosidade deixo aqui o significado dos variados inconscientes:
Individual
Freud distinguiu três níveis de consciência, na sua inicial divisão topográfica da mente:- Consciente – diz respeito à capacidade de ter percepção dos sentimentos, pensamentos, lembranças e fantasias do momento;- Pré-consciente – relaciona-se com os conteúdos que podem facilmente chegar à consciência;- Inconsciente – refere-se ao material não disponível à consciência ou ao escrutínio do indivíduo. No entanto, o ponto nuclear da abordagem psicanalítica de Freud é a convicção da existência do inconsciente como: a) Um receptáculo de lembranças traumáticas reprimidas; b) Um reservatório de impulsos que constituem fonte de ansiedade, por serem socialmente ou eticamente inaceitáveis para o indivíduo.
A perspectiva psicanalítica de Freud surgiu no início do século XX, dando especial importância às forças inconscientes que motivam o comportamento humano. Freud, baseado na sua experiência clínica, acreditava que a fonte das perturbações emocionais residia nas experiências traumáticas reprimidas nos primeiros anos de vida. Desta forma, assumia que os conteúdos inconscientes, apenas se encontravam disponíveis para a consciência, de forma disfarçada (através de sonhos e lapsos de linguagem, por exemplo). Neste sentido, Freud desenvolveu a psicanálise, uma abordagem terapêutica que tem por objectivo dar a conhecer às pessoas os seus próprios conflitos emocionais inconscientes. Freud acreditava que a personalidade forma-se nos primeiros anos de vida, quando as crianças lidam com os conflitos entre os impulsos biológicos inatos, ligados às pulsões e às exigências da sociedade.
Considerou que estes conflitos ocorrem numa sequência invariante de fases baseadas na maturação do desenvolvimento psicossexual, no qual a gratificação se desloca de uma zona do corpo para outra – da zona oral para a anal e depois para a zona genital. Em cada fase, o comportamento, que é a principal fonte de gratificação, muda – da alimentação para a eliminação e, eventualmente, para a actividade sexual.
Pessoal x Coletivo
Consciente e inconsciente foram identificados como opostos primordiais da vida psíquica, e ao nos referirmos aos termos consciente e inconsciente, lidamos com todas as disposições passiveis de obtermos conhecimento. Tendo em vista, que no consciente podemos manter apenas uma pequena parcela dos elementos e conteúdos advindos do inconsciente.Portanto, o inconsciente engloba todas as disposições pessoais e coletivas disponíveis, mas não relacionada e/ou associadas de forma conhecida pelo ego. “É um conceito-limite psicológico que abrange todos dos conteúdos ou processos psíquicos que não são conscientes, isto é, que não estão relacionados com o eu de modo perceptível.” (JUNG, 2009, § 847).
Havendo aqui a possibilidade de trocas dinâmicas de conteúdos conscientes por conteúdos inconscientes, seja por esquecimento, repressão e/ou desvalorização da importância antes atribuída a um determinado conteúdo. Muito embora, seja importante ressaltar, que eles não desaparecem, podendo ser novamente ativados por estímulos diversos. “Através da experiência sabemos, por exemplo, que conteúdos conscientes podem tornar-se inconscientes por causa da perda de seu valor energético. Sabemos pela experiência que esses conteúdos que estão abaixo do limiar da consciência não desaparecem simplesmente e que, oportunamente, mesmo após decênios, podem emergir das profundezas, verificando-se alguma circunstância favorável como, por exemplo, o sonho, a hipnose, a criptomnésia ou um reavivamento de associações com o conteúdo esquecido. (JUNG, 2009, § 847)”.
Segundo Jung, dentro do inconsciente podemos considerar conteúdos do inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Sendo que, por inconsciente pessoal temos as disposições adquiridas de experiências pessoais, e por inconsciente coletivo as disposições herdadas de um manancial alimentado e pertencente à coletividade. Tudo que vem do inconsciente apresenta característica numinosa, e por ser grandioso e autônomo, não depende do consentimento da consciência para se manifestar. “Podemos distinguir um inconsciente pessoal que engloba todas as aquisições de existências pessoais: o esquecimento, o reprimido, o subliminalmente percebido, pensado e sentido. Ao lado desses conteúdos inconscientes pessoais, há outro conteúdo que não provêm das aquisições pessoais, mas da possibilidade hereditária do funcionamento psíquico em geral, ou seja, da estrutura cerebral herdada. São as conexões mitológicas, os motivos e imagens que podem nascer de novo, a qualquer tempo e lugar, sem tradição ou migração histórica. Denomino este conteúdo de inconsciente coletivo.(JUNG, 2009, § 851)”
Social x Familiar
Inconsciente social seria a parte específica da experiência dos seres humanos que a sociedade repressiva não permite que chegue à consciência dos mesmos. Nossas famílias na maioria das vezes são apenas um reflexo da nossa sociedade e cultura. Fromm salienta que bebemos a nossa sociedade com o leite da nossa mãe. É tão perto de nós que muitas vezes esquecemos que a nossa sociedade é apenas uma das muitas maneiras de lidar com as questões da vida. Muitas vezes pensamos que a forma como fazemos as coisas é a única maneira; a maneira natural. Nós assumimos tão bem que se tornou inconsciente. Por esta razão, muitas vezes pensamos que estamos agindo de basear o nosso próprio julgamento, mas estamos apenas seguindo ordens a que estamos tão acostumados a não notá-los como tal. Fromm acredita que nosso inconsciente social é melhor compreendida quando examinamos os nossos sistemas econômicos.
Szondi procura fazer uma outra distinção com a introdução do conceito de inconsciente familiar. A ênfase, portanto, é na família. Cada família teria o seu “inconsciente”. Melhor dizendo, impulsos, tendências, complexos que passam de geração em geração.E isso ficaria expresso em escolhas, por exemplo, que seriam retomadas pelos descendentes tendo em vista o que foi feito – ou deixou de ser feito – pelos seus ascendentes, seus antepassados ou ancestrais. Curiosamente, tudo isso seria em tese inconsciente, ou seja, desconhecido por parte daquele que assume uma parte do destino de sua família. Esta hipótese, segundo a Psicologia do Destino, poderia ser comprovada em 5 diferentes áreas da vida: na escolha do companheiro amoroso, na escolha da amizade, na escolha da profissão ou hobby, na escolha da doença, na escolha da morte, como por exemplo, no suicídio. Szondi disse: “O inconsciente familiar forma uma rede invisível, que encerra de forma vertical a todos os membros de uma família, e desde gerações os envolve num nível inconsciente de destino. Da mesma forma age de forma horizontal, com todos os membros vivos da família em uma rede afetiva muito profunda. Assim, a análise do destino considera o homem não como um indivíduo isolado, mas enraizado no contexto visível e invisível que o acompanha por toda a vida, no seu futuro e no daqueles que virão”
Religioso x Superior
Na obra A Presença Ignorada de Deus (Frankl, 1993), onde este tema do inconsciente espiritual ou noético é aprofundado, o autor acrescenta sobre a possibilidade da espiritualidade se manifestar no inconsciente, dizendo “a pessoa profunda, ou seja, o espiritual-existencial em sua dimensão profunda, é sempre inconsciente.” Não se trata de dizer que a espiritualidade é facultativamente, ou às vezes, inconsciente. O que Frankl afirma é que a dimensão espiritual é, obrigatoriamente, ou necessariamente, inconsciente. Ele explica que uma das características mais marcantes desta dimensão é a “autotranscendência,” ou seja, o homem é constituído de uma intencionalidade que o dirige para algo ou alguém fora de si mesmo. Somente por meio desta autotranscendência é que o espírito se realiza, somente na execução de atos espirituais – dirigidos a algo ou alguém – é que o espírito se manifesta verdadeiramente, constituindo-se, assim, como “realidade de execução.” Nesta realidade de execução “a pessoa fica tão absorvida ao executar seus atos espirituais que ela não é passível de reflexão na sua verdadeira essência, ou seja, de maneira alguma ela poderia aparecer na sua reflexão” (Frankl, 1993, p. 23). Isto acontece, por exemplo, quando o pensamento está profundo e totalmente voltado para um ato muito importante a ponto de não caber a ele perceber-se, simultaneamente, pensando totalmente em algo. Portanto, a existência-espiritual é irreflexível por não ser passível de reflexão no momento em que ela está se realizando pela autotranscendência.
Na busca de compreensão da existência humana, Frankl se deparou com o fato de que a dimensão noética é também inconsciente e manifesta-se através da intuição, para a qual voltamos agora nossa atenção. Para que o homem siga a intuição é necessário que considere algo em si que lhe diz o que fazer, que considere a voz da consciência moral, percebida por ele como algo que não vem de si mesmo, percebida como algo transcendente, “extra-humano” e capaz de orientá-lo (Frankl, 1993). Frankl acredita que o caráter de “dever” próprio da consciência moral não poderia vir do homem, mas sim da transcendência – algo maior do que ele – por se constituir como uma palavra segura, de “autoridade,” que guia o querer de modo eficaz em direção à realização do sentido de vida. Surge no ser-responsável a necessidade de responder à voz da transcendência, usando a livre vontade, iniciando um relacionamento com o transcendente. Este relacionamento com o transcendente acontece mesmo que não possa ser percebido de maneira consciente, ou seja, é uma ligação intencional com o transcendente ainda que vivida inconscientemente. Assim, o relacionamento com o transcendente revela-se como uma característica humana, ontológica.
A relação com a transcendência pode ser apreendida pelo sujeito, no vivo da experiência, como um diálogo na qual o transcendente é considerado como um “Tu.” Ao homem que vive esta possibilidade, Frankl o chama de homo religiosus. Contudo, este relacionamento com o Tu também pode estar oculto para nós, inconsciente ou reprimido, mas todo homem está sujeito a ele enquanto possibilidade humana. Frankl investigou o inconsciente noético, a partir da análise de sonhos e verificou a presença de conteúdos religiosos reprimidos, mesmo em pessoas irreligiosas, percebendo que a religiosidade poderia ser ocultada psicologicamente diante do eu consciente. Estes trabalhos com análise de sonhos confirmaram que pode haver no inconsciente noético uma religiosidade no sentido de um relacionamento inconsciente com o Tu, de uma relação constante com o transcendente, considerada por Frankl como uma “fé inconsciente:”
Pois assim como se necessita de um pouco de coragem (Mut) para declarar-se partidário daquilo que se reconheceu, é preciso ter um pouco de humildade (Demut) para designá-lo com aquela palavra que os homens vem usando há milênios: a simples palavra “Deus.” (Frankl, 1993, p. 43)
Frankl adverte para alguns cuidados necessários relativos à interpretações errôneas que algumas pessoas podem fazer quanto à teoria que ele está propondo. Falar de um relacionamento inconsciente com Deus ou desta presença divina por detrás da consciência moral, em nenhum momento significa que o inconsciente seja divino ou que Deus esteja “dentro” do homem, preenchendo o seu inconsciente. Também seria um engano acreditar que o nosso inconsciente seja onisciente. Entretanto, o perigo maior que Frankl explica cuidadosamente para que seja evitado, é acreditar que esta relação inconsciente impulsione ou force um contato do homem com Deus. Este foi o grande erro de Jung, localizar a religiosidade inconsciente no id e acreditar que não é o eu quem decide por Deus, mas o id. “A verdadeira religiosidade não tem caráter de impulso, mas antes de decisão.” (Frankl, 1993, p. 56).
Roberto Assagioli defendia a ideia de que teríamos três inconscientes. Inconsciente inferior: Representa os automatismos biológicos e memórias individuais: a) as atividades psicológicas elementares que dirigem a vida do corpo, a coordenação inteligente de funções corporais; b) os instintos fundamentais e os impulsos primitivos; c) muitos complexos carregados de intensa emoção; d) sonhos e imaginação de uma espécie inferior; d) processos parapsicológicos inferiores e não controlados; e) várias manifestações patológicas, como fobias, obsessões, compulsões e falsas crenças paranóides e, ainda, f) o passado individual na forma de memórias há muito esquecidas e partes reprimidas, por exemplo: a raiva. Pode ser uma fonte de problemas, armazenando ações reprimidas, controlando as ações, mantendo algumas pessoas prisioneiras do seu passado.
Inconsciente médio: É formado por elementos psicológicos semelhantes aos da consciência humana em processo de acordamento e podem ser tranquilamente acessados. Nesta região interior são assimiladas as várias experiências, elaboradas e desenvolvidas as atividades mentais e imaginativas comuns, numa espécie de gestação psicológica antes de virem à luz da consciência. É composta por memórias recentes, pensamentos e sentimentos, elaboração criativa de informações da vida do dia-a-dia. Contudo, pode-se ainda, deliberada e conscientemente, deslocar pensamentos e sentimentos (como a fome no meio da tarde). Isto é diferente de reprimi-los como é feito no inconsciente inferior.
Inconsciente superior ou superconsciente: O repositório das nossas aspirações mais elevadas, intuições e energia espiritual, incluindo “insights” artísticos, filosóficos, científicos ou éticos e os impulsos, ações e desejos altruístas. Isto é a fonte de relâmpagos de inspiração e aonde é experienciado um sentimento de ligação com o verdadeiro Eu. É a fonte dos sentimentos superiores, como o amor incondicional, do gênio e dos estados de contemplação, iluminação e êxtase.
Guilherme Bernardes
CRP 04/52299
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